05 outubro 2009

PAULO ROBERTO


Lembro que quando eu era criança, ao lado de minha casa morava uma família que tinha oito crianças, dentre elas havia o Paulo Roberto, que era um menino surdo com a mesma idade minha, nós tínhamos uma relação muito próxima por esse motivo. O Paulo falava aos gritos, ou melhor, balbuciava algumas coisas, sempre gritando. Sua mãe não sabia de sua deficiência e foi alertada dela por minha mãe, pois era professora e já conhecia alguns casos de crianças com deficiência auditiva. Dona Dalva, sua mãe o levou ao médico, onde foi constatada a surdez. Com a ajuda de minha mãe, conseguiu uma vaga para ele no Instituto Concórdia, em Porto Alegre. Através desta escola ele conseguiu o aparelho auditivo, o que facilitou muito sua vida. No entanto, até ser detectada a surdez, conseguir escola e o aparelho ele já tinha quinze anos, ou seja, era um adolescente que já havia passado por diversos processos discriminatórios, inclusive da própria família, pois era tratado por todos em casa como um “retardado”, era uma das palavras usadas por eles. Ele nunca tinha aprendido a ler ou escrever, pois não se adaptava à escola e nunca nenhum professor deu atenção a sua falta de aprendizagem. Lembro que já éramos moços, em torno de dezesseis ou dezessete anos e fomos acampar. Levamos o Paulo Roberto junto, e foram as melhores férias que ele teve, pois conseguia participar de todas as atividades que fazíamos, pois ele não era mais “tão surdo” como antes, era o que dizíamos a ele. Eram brincadeiras bobas, mas também não sabíamos o que a surdez era na vida dele. Hoje, aos trinta e sete anos, ele é um homem trabalhador, e em sua profissão adquiriu muitas coisas, dentre elas uma boa posição dentro da empresa, pois é diretor de sessão em uma metalúrgica com um bom salário, é pai de família dedicado e responsável com seus filhos. Ainda temos contato, pois ele sempre diz que se não fosse por nós, amigos e minha mãe, ele estaria ainda sendo tratado como retardado. Embora eu já estivesse me formando aos dezessete anos, não conhecia os problemas que uma pessoa surda enfrentava, mas com o passar dos anos essa história ficou gravada em minha vida como uma das maiores lições que tive. Com a passagem dessa família por minha vida e mais especificamente com o Paulo Roberto, aprendi algumas coisas, dentre elas o alfabeto e, na época sabia alguns sinais, que representavam algumas coisas como: mãe, pai, amor, amizade, felicidade, raiva, tristeza e outras que não recordo. Infelizmente, com o passar dos anos e com o desuso, hoje não lembro de mais nada, a não ser do alfabeto, pois meu filho gosta muito de perguntar e lhe falei de algumas músicas que ouvíamos em que eram usados os sinais. Naquela época havia o programa da Xuxa, que tinha um espaço onde aparecia este tipo de linguagem. Atualmente, perto da casa de meus pais tem um rapaz que é surdo que trabalha em um mercado, mas não tenho muito contato com ele, e também interage somente aos gritos, pois não teve a mesma oportunidade que meu amigo. Sei que na escola estadual onde trabalho tem um menino que frequenta o primeiro ano que é surdo e, infelizmente, está tendo sérios problemas, tanto com os colegas como com a professora. A mesma está sofrendo muito, pois não tem capacitação para trabalhar ou atender este aluno, assim como não somos, nós professores, capacitados para atuarmos com nenhum tipo de deficiência.
Penso que poderíamos ter capacitação, para trabalharmos com pessoas deficientes, ou mais especificamente, surdas, como é o caso. Muitas vezes nos deparamos com situações que são imensamente constrangedoras para nós e, a deficiência faz parte de uma situação dessas. Às vezes ficamos durante muito tempo com alunos que não conseguem desenvolver a aprendizagem como deveriam, simplesmente porque não sabemos detectar nenhum tipo de deficiência, nem a surdez. Quando conseguimos perceber alguma coisa errada, pode ser muito tarde e estamos sujeitos a ter cometido erros graves com essas crianças, sem ao menos termos consciência disso.

2 comentários:

Simone disse...

Ana Claudia teu relato demonstra que as pessoas com necessidades especiais podem trabalhar, ganhar dinheiro, assumir diferentes cargos nas empresas, formar uma família... desde que sejam observadas desde pequenas e encaminhadas para o devido atendimento. Referes: "Penso que poderíamos ter capacitação, para trabalharmos com pessoas deficientes..." A que tipo de capacitação te referes? No semestre passado, tivemos a interdisciplina de necessidades especiais e neste a de Libras. Na tua escola, os professores não tem nenhum tipo de apoio do setor pedagógico para trabalhar com essas crianças?
Um abraço, Simone - Tutora sede

Unknown disse...

Ana,
Que interessante sobre sua experiencia na infância que conhecia um surdo. Só que antigamente era mais complicado, porque não tinha muita informação, nem LIBRAS era divulgação, etc. Agora seria diferente! Gostei seu relato! Abraços!